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saris - dois para alternar dia-sim, dia-não e um para dias de festa - feitos à
mão por doentes de lepra. Um balde para os lavar diariamente. Uma barra de sabão
azul. Quilos de alegria. Vozes de anjo.
Com
esta reduzida lista de ingredientes, sobre-vivem as manas. Sem protagonismos, sem falsas modéstias, sem barreiras, são assim
as M.C., Missionárias da Caridade.
Tive
a oportunidade de estar com elas na Índia em 2009 e 2010, quatro meses que mudaram tudo: uma até então desconhecida necessidade de silêncio
para ouvir Alguém maior, uma vontade de reduzir drasticamente o número de peças de roupa no armário e a descoberta de um amor aos outros, quando esses outros estão em condições tais que não sabem
constituir alguém.
Uma mudança na corrente sanguínea, bem cá dentro: vinha mais apegada que nunca às relações, e mais desapegada que
nunca das pessoas. Porque as ouvia a dizer, sem dramas, que uma Missionária da Caridade envia uma carta por mês para casa e que só se volta a encontrar com a
família ao
fim de 10 anos, 120 cartas depois. Vinha centrada no que realmente faz
correr sem cansar.
Uma mudança também do lado de fora: quando voltei, em pleno Verão, não conseguia
andar com roupa que mostrasse mais do que tornozelos, pescoço, cara e braços. Vinha radiante, desprendida de telemóveis, i-pods, banhos de água quente, maquilhagem, chocolates. Coisas. Andava descalça
por tudo o que era canto - casa, rua, carro - o trânsito infernal, mas
extremamente organizado da A5, causava-me dores de cabeça e a ausência de
estrelas no céu lembrava-me as saudades do campo indiano, das luzes
naturais, do silêncio dos anjos.
E foram tempos de relativizar tudo o que até então era mais-que-certo. De perceber que não há maior
alegria do que dar tudo o que temos e que muito mais recebemos. De dar muitos sim's, um maior que todos os outros, depois de ter aprendido com a sua entrega de amor e contemplação, no meio das
ruas confusas, sujas e barulhentas de Calcutá.
E hoje, só hoje, é um desses dias em que chegam, lá de longe, do Oriente, as saudades destas mulheres e daqueles abraços, o ar potável daquele fim de mundo que não trocava por nada. Saudades destas mulheres que são, acima de tudo, M.C., Mães da Caridade.