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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

DIÁRIO DE VIAGEM



Já foi há algum tempo e voltei a lembrar-me. Não especificamente dos sítios que conheci, das caras que vi ou do trabalho que desenvolvi. Pensei no que aprendi (vão parar aqui as rimas, prometo). Quando voltei da Índia, no primeiro ano em que lá estive, voltei diferente. Na minha cabeça, apesar de ir rodeada de gente de mil e sete países, ia sozinha, a solo, by me. Disse sempre, mas sempre, a quem me quisesse ouvir, que ia fazer voluntariado e contactar com uma nova cultura. Nunca disse aquilo que primariamente me fazia meter-me num voo de 10 horas de viagem e aterrar num sítio húmido para xuxu, sujo que dói e para lá de Bagdad

A verdade é que, uns meses antes de ter tomado a decisão, apercebi-me de que precisava de me afastar para descobrir uns dois ou três aspetos da minha personalidade, que já referi aqui ter-se formado tarde e a más horas, em parte por ter crescido com uma irmã gémea, o lado menos bom do melhor lado da minha vida, dado que essa gémea é sem sombra de dúvida a pessoa mais importante que tenho cá em baixo, até ao dia em que o meu querido futuro marido tomar o seu lugar. Entrei no aeroporto, pronta a passar dois meses do meu Verão do outro lado do Mundo. Tinha 60 dias para perceber a lógica humana, num país em que se não negoceias, não tens hipótese, onde tens que estar sempre atenta ou em dois tempos tiram-te a carteira, a máquina fotográfica e a vida. Num país onde há uma simplicidade de criança em todos os Homens acima dos 50 anos e uma desconfiança própria em todos os que estão abaixo disso. Num país onde dormes por cima do BI, acorrentada a malas e calçada para o caso de teres que fugir a meio do sono.

Findos os 60 dias, embarquei de volta. O primeiro choque foi a chegada a Londres, perceber que tinha coisas a mais: luz a mais, gadgets a mais, proximidades a mais. Saudades a mais, memórias a mais e vontades a mais. Aterrei em Lisboa e ao fim de uma semana ela disse-me que não me reconhecia: tinha deixado uma certa imaturidade em terras indianas, tinha deixado essa querideza que me era própria. Já não era aquela miúda sempre a rir, sempre solícita, sempre a desfazer-se em realização de vontades de terceiros. Voltava de nariz empinado, semi-arrogante e independente. E ninguém percebia como podia ser essa a mudança depois de 60 dias a ajudar quilómetros de miúdos de rua. Não era estranho; durante esses dois meses percebi como se ajuda realmente as pessoas, de uma forma pragmática e sem pieguices. E percebi que quando se confunde um tipo de ajuda com outro, existe muita gente pronta a aproveitar essa boa vontade, sob uma máscara de favores disparatada. Passamos por parvos e ninguém nos avisa.

Durante a última semana precisei urgentemente de recuperar o meu diário de viagem para me relembrar de tudo isto, um conhecimento que arriscava ficar adormecido. Acordei com três baldes de água fria e abri o diário. Peguei na caneta e acrescentei duas linhas aos parágrafos que lá tinha escrito: às vezes não ter paciência não é necessariamente falta de caridade. Pode ser que existam simplesmente demasiadas razões para o fazer. E muitas vezes, mais do que parece, as pessoas precisam é de atenção a menos e mundo a mais.

P.S. Amanhã prometo vir aqui retirar tudo o que disse.

3 comentários:

Anónimo disse...

EEEIII!! Não estou preparada para ser preterida! Retira o que disseste!

Anónimo disse...

Que bom é ler-te e ler as viagens pelo teu olhar e como estas te mudaram e te mudam.. para melhor!
Keep writing my dear dear friend!

Unknown disse...

LIKE!
Lindo!!!

=)